Cidade do Vaticano – No cenário da Aula Paulo VI, o Papa Leão XIV encontrou-se esta manhã com os participantes do Jubileu da Vida Consagrada, pronunciando um discurso de grande profundidade e com um verdadeiro alcance programático. O Pontífice traçou um mapa espiritual para a vida religiosa do nosso tempo, centrado em três eixos fundamentais: enraizamento em Cristo, retorno ao coração e caminho sinodal.

“A Igreja precisa de vós”

Desde o início da sua intervenção, Leão XIV quis reafirmar um ponto decisivo: a vida consagrada não é marginal, mas constitutiva da Igreja. Uma clarificação necessária — e nada óbvia — num tempo em que a vida monástica é frequentemente percebida como um vestígio do passado, uma forma ultrapassada ou até inútil. O Papa, pelo contrário, recoloca no centro a vida religiosa, reivindicando a sua dignidade e a sua função essencial. Não se trata, deixou entender com firmeza, de pessoas “inúteis”, como por vezes o mundo — e infelizmente também certos ambientes eclesiais — quer fazer crer. Nos últimos sessenta anos, uma leitura distorcida do Concílio Vaticano II levou alguns a diminuir o papel dos consagrados, como se a sua presença fosse secundária em relação a outras vocações. Leão XIV quis corrigir esta deriva, recordando com palavras claras: «A Igreja precisa de vós e de toda a diversidade e riqueza das formas de consagração e de ministério que representais». O Pontífice recordou que os religiosos são chamados a “despertar o mundo”, e que isso só é possível se a sua vida permanecer enraizada em Cristo, única fonte de fecundidade e sentido.

«Unidos a Ele – acrescentou – as vossas pequenas luzes tornam-se como o traçado de um caminho luminoso no grande projeto de paz e de salvação de Deus para a humanidade».

Retornar ao coração: a fonte da missão

Um dos momentos mais intensos do discurso foi o convite a “retornar ao coração”. O Papa explicou que cada carisma encontra a sua verdade não na eficiência nem nos números, mas na fidelidade ao fogo original aceso pelos Fundadores e Fundadoras. É no coração, disse ele, que se realiza «a paradoxal ligação entre a valorização de si e a abertura aos outros», citando a encíclica Dilexit nos. Só através dessa interioridade cultivada na oração e na comunhão com Deus é possível fazer amadurecer «os melhores frutos de bem segundo a ordem do amor». Este trecho, aparentemente místico, traduz-se num apelo concreto: redescobrir a própria identidade espiritual para regenerar a missão. O risco, como Leão XIV parece insinuar, é o de se perder no ativismo, esquecendo que a vida consagrada não é um “fazer”, mas um “ser”. O Papa afirmou: «Há uma profunda necessidade de esperança e de paz que habita o coração de cada homem e mulher do nosso tempo, e vós, consagradas e consagrados, quereis ser seus portadores e testemunhas com a vossa vida, como divulgadores de concórdia através da palavra e do exemplo, e antes de mais como pessoas que trazem em si, pela graça de Deus, a marca da reconciliação e da unidade». Estas palavras – “divulgadores de concórdia” – ressoam como uma belíssima exortação espiritual, que ultrapassa os limites da vida consagrada. Não diz respeito apenas a religiosos e religiosas, mas interpela também seculares e leigos, chamados, por sua vez, a difundir paz e unidade no quotidiano, nos lugares onde vivem e trabalham. É um convite universal a encarnar, com gestos e palavras, uma esperança operosa que reconcilia e reconstrói.

Peregrinos da esperança no caminho da paz

Retomando o lema do Jubileu, o Papa sublinhou que os consagrados são chamados a tornar-se construtores de esperança e artesãos da paz, num mundo marcado por conflitos, divisões e violência verbal. Convidou os religiosos a serem “portadores de reconciliação”, capazes de transformar as suas comunidades em “laboratórios de fraternidade”, onde a dignidade da pessoa e o cuidado da criação encontrem espaço real. «Só assim – disse – podereis ser construtores de pontes e difusores de uma cultura do encontro». Um convite que, na linguagem de Leão XIV, soa como um manifesto: a vida consagrada é chamada a reparar o que o mundo rasga.

A sinodalidade como estilo de vida

Uma ampla parte do discurso foi dedicada ao tema da sinodalidade, que o Papa definiu como “uma missão entusiasmante”. Citando uma passagem luminosa da encíclica Ecclesiam suam de São Paulo VI, Leão XIV descreveu a sinodalidade como um “diálogo doméstico”: um diálogo intenso, familiar, sincero e capaz de tornar os cristãos homens livres, sábios e serenos. Neste sentido, observou que os religiosos, pela sua própria estrutura comunitária e frequentemente internacional, estão numa posição privilegiada para viver diariamente a escuta recíproca, a participação e a corresponsabilidade. A Igreja, disse ele, pede hoje aos consagrados que sejam “especialistas em sinodalidade”, capazes de perdoar,superar divisões e servir o povo de Deus como profetas de comunhão.

Olhar o futuro com confiança

No final, o Papa quis tranquilizar os consagrados sobre a esperança cristã, recordando que esta “não se funda nos números nem nas obras, mas n’Aquele em quem pusemos a nossa confiança”. É um alerta contra a tentação de medir a vida religiosa em termos de eficiência ou estatísticas: o que conta é a fidelidade quotidiana e a coragem das escolhas evangélicas. «Perscrutai os horizontes da vossa vida – disse – e do momento atual em vigilante vigília». Uma frase que soa como um selo espiritual: não temer o futuro, mas atravessá-lo com o olhar fixo em Cristo.

p.R.A.
Silere non possum